Hibernação Facultativa

Originalmente publicado na edição #70 da newsletter Metafoundry, de Deb Chachra e traduzido com sua permissão.

Taty Guedes
6 min readAug 8, 2019

Pensando em escalas de tempo.

COORDENADAS: escrevo isto em uma cafeteria local, após passar boa parte do fim de semana em Corning, NY. Estive ali para visitar um dos meus museus favoritos, o Corning Museum of Glass, e para participar de um workshop de como fazer pesos de papel. Assim, passei a maior parte do sábado aprendendo a administrar os efeitos da gravidade em bolotas incandescentes de vidro, cuja viscosidade mudava a cada instante.

Corning foi fundado em 1851 em Somerville, Massachusetts, a alguns quilômetros de onde estou escrevendo isto, e foi movido para a cidade que pegou seu nome em 1868, onde está alojado desde então. Na hora do almoço no sábado, eu ouvi um apito a vapor bem alto, e levei alguns instantes para perceber que não era um trem vindo; é uma tradição aural que se repete oito vezes ao dia, conservada desde quando a fábrica gerenciava o tempo na cidade. Paradoxalmente, Corning tem uma tradição secular de inovação — ela é lar de um dos primeiros laboratórios de pesquisa industrial, e hoje eles investem 10% da receita em pesquisa e desenvolvimento. Na década de 1950, Corning perdeu a corrida para produzir vidro plano econômico para o Processo de vidro de Pilkington, mas o processo por fusão que desenvolveram, que produz uma série contínua de folhas de vidro finas e sem marcas, ressurgiu na década de 1980, quando se tornou perfeito para telas de computadores. E eu acredito que um pouco do que vi no campus de Corning foi financiado por receita de um processo intensivo mas eficaz de fortalecer quimicamente o vidro, desenvolvido na década de 1960, mas que só encontrou uma aplicação — e enorme sucesso— meio século depois, como Gorilla Glass para smartphones.

Em casa, em Cambridge, faz 11º C, uma tarde fresca e ventosa de primavera.

(…)

PENSANDO EM ESCALAS DE TEMPO: enquanto escrevo isto, a Cathédrale Notre-Dame de Paris, com 9 séculos de idade, está em chamas. A primeira vez que vi a catedral foi em 1998, em minha primeira visita a Paris, hospedada no menor quarto de hotel existente (eu conseguia deitar na cama e colocar as palmas das mãos e as plantas dos pés nas paredes opostas) em um edifícios de 350 anos na margem Esquerda, de frente para o Sena. Eu voltei quase duas décadas depois, na primavera de 2017, e hoje eu estou egoisticamente feliz por essa segunda visita.

Muito já se escreveu sobre redes sociais, como elas crescem rápido e dissipam rápido, mas ainda podem deixar um resíduo tóxico de longa duração. Feeds operam em uma escala de tempo de minutos a dias, e não há dúvidas de que estamos apenas aprendendo, como primatas gregários que foram socializados por interações físicas e corpóreas, como lidar com uma rede global ininterrupta de comunidades.

Ao mesmo tempo, muitos de nós, como indivíduos, e certamente a maioria de nossos sistemas cívicos, estão apenas começando a entrar em um acordo com os tipos de pensamentos de que precisaremos para abordar a mudança climática antropogênica. Meu podcast favorito tem sido Threshold, cuja segunda temporada, “Cold Comfort”, reportou de comunidades locais em todo o Ártico. No episódio final, Jim White, um geocientista na Universidade de Colorado Boulder, fala de como os humanos realmente querem a maioria das coisas resolvidas agora, mas os sistemas planetários envolvidos não operam no tempo humano, e certamente não são tentados com soluções rápidas. “Se não começarmos a pensar em escalas de tempo de séculos, não poderemos sequer discutir os problemas, e certamente não poderemos resolver os problemas.”

Como devem ter notado os leitores mais antigos, eu parei de escrever regularmente esta newsletter perto das eleições presidenciais dos EUA, em novembro de 2016. Mesmo antes da posse, estava claro que a administração Trump tornaria a vida de muitas pessoas concretamente pior, e necessitaria de ação cívica na escala de tempo de dias a semanas para tentar limitar os danos o máximo possível. Mas mesmo compreendendo tudo o que está acontecendo, muito menos determinante do que como responder com eficácia, é como um ataque distribuido de recusa de serviço contra pessoas com empatia.

Então eu me vi lutando para encontrar um novo equilíbrio, e eu acho que não sou a única: assisti amigos abandonarem completamente as redes sociais, vi newsletters sendo pausadas, e vi muitos amigos artistas responderem em seu trabalho. O que eu aprendi, lenta e imperfeitamente, foi como alocar meu tempo, atenção e recursos em diferentes escalas de tempo. Obviamente, o fato de que eu posso pensar sobre isso é um indicador de como eu sou extraordinariamente privilegiada. Um dos mais importantes e menos reconhecidos custos da precariedade, seja receita instável, dívida alta ou acesso limitado a saúde, é a impossibilidade de planejar e trabalhar em direção ao futuro pessoal, muito menos um futuro cívico comum.

Como educadora, eu me incomodo com a ideia de que qualquer impacto que eu possa causar será daqui anos ou décadas no futuro. Eu ensino design de engenharia para alunos do primeiro semestre que não vão nem se formar por quatro anos. E meus projetos de pesquisa acadêmica geralmente são patrocinados por três a cinco anos. Faculdades e universidades estão entre as poucas instituições que pretendem existir em perpetuidade e podem se planejar para isso, não importa o quão ruim nisso elas acabem sendo (as outras incluem estações-nação e, como a Notre-Dame nos relembra, religião).

O escritor e artista Austin Kleon citou Amy Krouse Rosenthal, que escreveu: “para quem pretende discernir o que fazer da vida: PRESTE ATENÇÃO AO QUE VOCÊ PRESTA ATENÇÃO. essa informação é tudo de que você precisa.” (eu ainda não li, mas vejo que seu novo livro, Keep Going, é a resposta dele a esse desequilíbrio é é um guia para artistas e outros que ainda estão com dificuldade.)

Nos últimos anos, eu tenho prestado mais e mais atenção em sistemas e infraestrutura. Escrevi um artigo para o The Atlantic on-line em maio de 2017, “Gratitude for Invisible Systems”, que fala da ideia de que esses sistemas, em especial os sistemas públicos, são a maneira de cuidarmos uns dos outros em larga escala. Em fevereiro de 2018, estive em um painel sobre “Democracia e tecnologia” [vídeo] em um simpósio sobre “Identidade estadounidense e o ideal de democracia no século 21”, sediado pela University of California em Irvine. Foi alguns meses após o Furacão Maria ter atingido Porto Rico e eu falei de como grandes faixas na ilha ainda estavam sem energia, e sobre uma profunda falha em nosso compromisso de cuidarmos uns dos outros.

Por alguns anos, eu tenho usado PROJECT PICKERING (de nome inspirado na estação nuclear na periferia de Toronto, em cujo centro de visitantes eu passei muitas alegres tardes de domingo na infância) como o nome secreto para esta pesquisa sobre infraestrutura e sistemas. Agora, este trabalho oficialmente será um livro, de nome provisório Public Utility, programado para publicação pela Riverhead Books no início de 2021.

Em 2017, eu fiz um tour da estação London Bridge, que estava chegando ao fim de uma reforma imensa. Nosso guia comentou que a garantia do trabalho dos construtores era de cem anos, o que me pareceu impressionante, até eu me dar conta de que a estação já estava ativa e em uso por cerca de um século. Infraestrutura é tecnologia em uma escala de tempo longa— muitas das redes que cruzam nossas vidas datam de décadas ou séculos, até as mais recentes, como o GPS. E, claro, assim como a estação London Bridge, redes de infraestrutura também estão mirando nosso futuro global compartilhado, pois começamos a tentar entender como reconstruir coisas para criar um futuro sustentável, resiliente e equitativo para todos.

I incêndio em Notre Dame afetou muito algumas pessoas que eu conheço, e eu acho que isso é em parte porque entendemos que a catedral é o trabalho de muitas mãos anônimas que estavam construindo algo para quem ainda nem havia nascido, sabendo que nunca veriam o resultado completo de seu esforço. Estamos começando a reconhecer que essa é a função que precisamos desempenhar para poder mitigar os efeitos da mudança climática. E embora seja um presságio desanimador, isso não muda o fato de que precisamos fazer esse trabalho.

Voltei a escrever porque acho que encontrei um novo equilíbrio entre todas essas diferentes escalas de tempo, sobre as quais quero pensar e nas quais trabalhar. Um equilíbrio que me permite aproveitar os ciclos longos que usei como pesquisadora acadêmica. Espero que meu trabalho ajude mais de nós a pensar coletivamente em escalas de tempo ainda mais longas.

Obrigada por ler, e cuide de si mesmos e de todos que estejam perto.

Em tempos escuros / ainda haverá canções? / Sim, também haverá canções / sobre os tempos escuros.
(Bertholt Brecht)

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